|
Protesto contra o PL 490 (Foto: Tiago Miotto/Cimi) |
O Conselho Indigenista Missionário (Cimi) lamenta profundamente o ocorrido na noite de 30 de maio de 2023, quando o plenário da Câmara Federal aprovou o texto final do Projeto de Lei (PL) 490/2007 por 283 votos a 155. Este PL busca inviabilizar as demarcações dos territórios indígenas, determina a aplicação da nociva e inconstitucional tese do “marco temporal”, legaliza o genocídio contra os povos em isolamento voluntário ao permitir o contato com esses povos, flexibiliza o usufruto exclusivo dos territórios para a exploração de terceiros e extingue o direito de consulta aos povos segundo a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT). Trata-se de um duro ataque e afronta aos direitos dos povos indígenas no Brasil e à Constituição Federal.
O ataque aos direitos dos povos originários intensificou-se a partir da aprovação do requerimento de urgência para o trâmite desse PL na Câmara Federal. O pedido foi apresentado por um deputado bolsonarista, que argumentou que este projeto é um instrumento de pressão sobre o Supremo Tribunal Federal (STF). O objetivo é pressionar a Suprema Corte a retirar de pauta o julgamento do Recurso Extraordinário (RE) nº 1.017.365, que trará uma decisão do STF sobre a tese do marco temporal e está previsto para ser retomado no próximo dia 7 de junho.
Outra ofensiva veio por parte da Comissão Mista da Medida Provisória (MP) 1154, que retirou atribuições fundamentais dos Ministérios dos Povos Indígenas e do Meio Ambiente. Ali estava clara e estampada a articulação da chantagem do Legislativo aos outros dois poderes – ao Judiciário, com o PL 490, e ao Executivo, com as mudanças na MP 1154.
Ontem, 30 de maio, na abertura da sessão do plenário para a votação do PL 490, o presidente da casa, Arthur Lira (PP/AL), externou que estava colocando o projeto em votação porque “não houve acordo”. Em seguida, o líder do governo na Câmara, José Guimarães (PT/CE), afirmou ter feito “pressão sobre o STF” para que o julgamento fosse retirado de pauta. Estava explícito o mecanismo de chantagem ao STF, que não recuou de seu papel de defensor e garantidor da Constituição Federal e manteve o julgamento.
A aprovação do PL 490 é uma reação desesperada da turba ruralista do agronegócio diante da possibilidade de que seja confirmada a inconstitucionalidade do marco temporal. Assanha esses setores econômicos para continuar as invasões e destruição de todo o ambiente, em especial os territórios indígenas. E acena para a intensificação das invasões dos territórios indígenas por garimpeiros, madeireiros, grileiros e fazendeiros, liberando estes territórios para sua exploração por empresas e empreendimentos do chamado “capital verde”. Além de todo esse desastre, a aprovação do PL 490 vai contribuir ainda mais para o aumento da violência contra esses povos e o meio ambiente.
Ontem foi uma noite escura para a maioria do povo brasileiro e para todo o mundo, porque o impacto sobre os territórios indígenas irá afetar a todos. A Câmara dos Deputados, comandada pelo ruralismo retrógrado, permanece, mesmo no governo atual, na contramão do mundo todo, em plena era de intensas mudanças climáticas que ameaçam a sobrevivência e existência de toda a humanidade. É cientificamente comprovado que os territórios indígenas, com suas florestas em pé e toda a biodiversidade neles existentes, exercem um papel fundamental no combate aos efeitos nocivos das mudanças climáticas em todo o planeta.
Alertamos que quaisquer violências cometidas contra as lideranças e povos indígenas que advirem a partir desse momento fatalmente estarão sob a responsabilidade daqueles que votaram a favor do PL 490.
Ao votar um projeto que, na prática, retira direitos fundamentais constitucionalmente assegurados aos povos indígenas, a Câmara Federal atacou a própria Constituição. Confiamos que o Senado, para onde segue agora a tramitação do PL 490, retome o senso político do Poder Legislativo e aguarde serenamente a decisão do julgamento sobre o marco temporal que será retomado pelo STF no próximo dia 7 de junho.
É imprescindível ressaltar a coragem de todas e todos, convocando-os a permanecerem firmes na defesa da vida:
- ao STF, para manter a pauta do julgamento na data prevista e exercer sua competência de prezar pela Constituição Federal e garantir a integridade dos direitos ali concebidos;
- aos povos indígenas, reiteramos nossa solidariedade e compromisso de continuar a luta em defesa dos direitos e da vida no planeta, confiantes que a tese do marco temporal será definitivamente superada em breve por sua inconstitucionalidade;
- às lutadoras e lutadores que, cotidianamente, semeiam a esperança, o nosso apelo para fortalecer sempre a nossa organização e mobilização necessárias para a defesa incondicional da vida plena e abundante para todas e todos.
Comentários
Postar um comentário